ILUMINAÇÃO
O DESPERTAR ATRAVÉS DA CONSCIÊNCIA
Quando
falamos sobre a experiência de iluminação, geralmente pensamos em Budismo. Mas
o que é essa experiência? É possível desenvolvê-la, ou nascemos com ela? É algo para ser
desejado, adquirido, acessado?
Apesar
de ser possível entender a iluminação a partir da metapsicologia e de conceitos complexos e eruditos, minha intenção é compreender esse fenômeno na
vida comum do dia a dia.
A
grande maioria das pessoas, em algum momento de sua vida, desperta para a
necessidade de evoluir como ser humano. Para isto, lança mão de recursos disponíveis que facilitem esse processo, como estudar, ir
para universidade, fazer psicoterapia, investir em workshops de
auto-conhecimento, fazer ioga, pertencer a uma religião, buscar o Espiritismo
que tem bem claro esse conceito de “evoluir”, ler livros de auto-ajuda, ir em palestras,
etc. Geralmente há uma motivação para
esta busca. Que motivação poderá ser? Evoluir para quê? Evoluir para onde?
Evoluir de que forma?
Durante
o processo de desenvolvimento de nossa personalidade, vamos construindo uma
persona. Essa persona é revestida de uma camada, que tem como função fazer a mediação entre o
interno e o externo, entre o Eu e o mundo, entre o Sujeito e o Objeto. O nome
dado a esta camada é Ego, nome dado por Freud por volta de 1900. Mais tarde, em
1920, ele introduziu os conceitos de Consciente, pré-consciente e
Insconsciente. Postulou que o ego e o superego, topograficamente, são
instâncias psíquicas que apresentam partes conscientes, outras pré-conscientes e outras ainda, inconsciente. Com isto, concluiu que nem mesmo “somos donos” de nossa morada, fazendo
alusão à capacidade humana de atuar, falar, pensar, que possui valores e
modalidades situados “fora do crivo” da consciência. É justamente dessa fonte que o samsara emerge,
gerando sofrimento para nós e para os outros.
Há 2600 anos , Buda já falava em
consciente. No Parinirvana Sutra, seus ensinamentos finais, na hora de sua
morte, ele disse: “Entre as coisas
refinadas, a tecedura da consciência é a melhor de todas. A consciência é como
uma agulha de ferro com a qual se pinçam os enganos.”
Temos outras camadas mais profundas, que
determinam a forma desse ego interagir, tanto consigo mesmo quanto com o mundo.
As outras camadas são o superego e o Id.
O ego é uma construção cultural: somos
treinados a responder de acordo com demandas e expectativas, a princípio de nosso pais,
em seguida dos professores, depois amigos e pares, sempre buscando suprir nossas necessidades de
afeto, segurança, reconhecimento, pertença...Tal mecanismo às vezes pode nos
afastar de nós mesmos, pois ficamos mais focados às exigências externas, ao que
o outro espera de nós, buscando então a melhor resposta esperada. Apesar de
contraditório, a fixação no mundo externo (na tentativa de corresponder às expectativas de ser amado(a) e reconhecido(a), ter sucesso, dinheiro , poder, etc)
nos conduz ao egocentrismo, nos afastando de nossa natureza Buda, essa
parte intocada, universal, nossa essência, que podemos chamar de Eu Maior ou self.
O
mestre zen Kodo Sawaki Roshi dizia que praticar o Zen é tornar-se íntimo com o
self. O self é a enorme dimensão da existência que chamamos de Natureza
Essencial. Inclui não só o ego, com o qual nos identificamos - e a partir do qual criamos a persona que mostramos para os outros. O
Zen não propõe livrar-se do ego. O ego é a soma total de todas as nossas
lembranças, hábitos, desejos, aversões, opiniões, padrões de pensamento, ideologias,
enfim, tudo o que assimilamos através de
identificações. O ego oferece nossos
pontos de referência para nos relacionarmos com o mundo, e nesse contexto funciona
como um instrumento vital.
Entretanto,
o ego também pode nos restringir e nos frustrar: ao nos impor uma compreensão
limitada da vida, confina-se em si mesmo
e se apequena. Muitas vezes, quando desafiado a lidar com situações complexas,
pode não estar preparado. Apesar de nossa tentativa de nos agarrarmos a ele – e à
sua visão de mundo, é preciso que nos
lembremos que ele também é impermanente e fluido, vazio de existência fixa e
permanente. Ao dar-se conta da ligação íntima com o self, o ego é transcendido,
perde a sua sujeição e pode ser usado livremente, compassivamente e com
sabedoria. O ego faz parte de um vazio maior.
Dia
08 de dezembro, celebramos o dia que
Buda se iluminou. Após sete dias e sete noites em zazen, ao amanhecer do oitavo dia , olhando a estrela
da manhã, ele despertou e disse: “ Eu, a grande terra e todos os seres,
simultaneamente , nos tornamos o caminho iluminado. “
Em
seguida, durante 45 anos, Xaquiamuni Buda dedicou-se a dividir com todos os
seres o que havia acessado. Criou
comunidades de praticantes do Caminho e desconstruiu o sistema de castas,
aceitando todos, sem discriminação. Teve
discípulos que se propuseram a levar adiante seus ensinamentos, beneficiando
muitos seres que buscavam entendimento e alívio de seus sofrimentos.
Durante
sua caminhada para responder questões existenciais a respeito da vida e do
sofrimento, Buda foi se desenvolvendo e acessando níveis cada vez mais profundo
de consciência.
Sua
prática de atenção plena lhe conferiu grande capacidade de concentração(samadi), fazendo-o e aprofundar a
consciência de si , do entorno, do espaço e do tempo. Compreendeu que sua vida
era o resultado de incontáveis vidas, de animais, minerais, todos
interconectados e inter-relacionados. Aprofundou a compreensão da
impermanência, do não-eu, da inter-dependência. Viu que cada célula de seu
corpo continha todo o céu e a Terra, abarcando os três tempos – passado,
presente e futuro. Esta foi a primeira
vigília dos dias de meditação.
Na
segunda vigília, Gautama compreendeu os eternos ciclos de nascimento e morte de
todos os seres vivos, que incontáveis mundos se erigiram e caíram, suportou
raios e trovões, chuvas e tempestades, sem se mover.
Sua
consciência expandiu-se cada vez mais até que, na terceira vigília, viu que todos os seres vivos sofrem por que
não compreendem que compartilham de uma mesma essência com todos os demais
seres.
Quando
conseguimos olhar para este ponto em
profundidade, atingimos uma compreensão capaz de dissipar a dor e o sofrimento.
Estes cedem lugar à compaixão e à aceitação, que nos permitem tomar ações adequadas e compassivas.
Poderemos desenvolver sabedoria, despertando para a unicidade de todas as
coisas.
Como
disse mestre Dogen:
Estudar o budismo é conhecer a si mesmo
Conhecer a si mesmo é esquecer-se de
si mesmo
Esquecer-se de si mesmo é tornar-se iluminado
por todas as coisas do universo
E nenhum rastro de luz permanecerá!